A desoneração da folha de pagamento é uma medida que vem sendo adotada e prorrogada no Brasil há mais de 10 anos.

Ela traz benefícios, mas também controvérsias na relação entre capital e trabalho.

Como advogado especialista em direito do trabalho, vejo nuances que merecem análise.

Linha do tempo: uma medida provisória que virou política de Estado

A desoneração da folha foi instituída em 2011 como medida provisória para valer por alguns anos. Mas acabou sendo estendida sucessivamente, se transformando em política pública, com alterações em seu escopo e alíquotas.

Vejamos os principais marcos:

Linha do tempo da desoneração da folha de pagamento no Brasil:

Observa-se que a desoneração frequentemente serve como instrumento anticíclico em momentos de crise. Porém, as constantes prorrogações geram incertezas.

Seria necessário debater seus impactos e, caso a medida seja mesmo efetiva, estabelecê-la em bases permanentes.

Prós e contras em permanente tensão

A desoneração tem aspectos positivos, mas também gera críticas e questionamentos:

PRÓS

CONTRAS

É uma tensão permanente entre incentivar o emprego formal, a competitividade das empresas e a arrecadação do Estado.

Cabe ponderar se os benefícios superam os custos ou se poderia haver políticas mais eficientes.

Impactos nos negócios e no mundo do trabalho

A desoneração barateia o custo da mão de obra e estimula contratações formais. Porém, também reduz a arrecadação previdenciária e introduz distorções entre setores econômicos.

Do ponto de vista do trabalho, é positivo ter mais postos formais. Porém, a qualidade desses empregos e a capacitação dos trabalhadores devem ser consideradas. Apenas com mão de obra qualificada o Brasil pode aumentar sua competitividade.

Portanto, é preciso avaliar integralmente os reflexos da desoneração no mundo dos negócios e do trabalho, visando o equilíbrio entre interesses dos empresários e dos trabalhadores.

A situação da ‘pejotização’ que vêm crescendo no Brasil

A desoneração da folha de pagamentos tem como objetivo incentivar a formalização do emprego. Porém, não impacta a realidade dos trabalhadores informais e dos “pejotizados”, que vêm crescendo no Brasil.

Segundo o IBGE, o número de trabalhadores por conta própria chegou a 25,2 milhões em 2021, crescimento de 6% nos últimos 5 anos. Já o total de informais foi de 38,2 milhões, alta de 15% no mesmo período.

Isso ocorre porque muitas empresas passaram a contratar como pessoa jurídica ou por serviços temporários para reduzir custos trabalhistas. O “pejotização” explodiu após a reforma trabalhista de 2017, que flexibilizou direitos da CLT.

Dessa forma, a desoneração da folha beneficiará as empresas que mantêm vínculos formais, mas não combate o problema crônico da informalidade e precarização do trabalho no Brasil. Na verdade, pode até estimular ainda mais a “pejotização” para que empresas migrem da folha desonerada para esses vínculos fraudulentos.

Portanto, é essencial que, paralelamente à desoneração da folha, o governo faça uma reforma tributária ampla, simplifique a cobrança de tributos para autônomos e combata decisivamente a pejotização ilegal. Caso contrário, os incentivos aos vínculos formais serão anulados pela perpetuação da informalidade.

São necessárias visão sistêmica e medidas integradas nessa questão complexa.

Riscos de aumento nas Ações Trabalhistas?

A recente aprovação da prorrogação da desoneração da folha de pagamentos na Câmara dos Deputados pode trazer alguns riscos de novas ações trabalhistas, embora ainda seja cedo para dimensioná-los.

Alguns possíveis riscos são:

  • Questionamentos jurídicos sobre a constitucionalidade da medida, por reduzir receitas previdenciárias e criar diferenciações entre setores econômicos. Isso pode levar a ações diretas de inconstitucionalidade.
  • Ações de sindicatos e entidades representativas de trabalhadores, argumentando que a desoneração beneficia mais as empresas e gera prejuízos indiretos aos direitos dos trabalhadores.
  • Ações individuais ou coletivas de trabalhadores de setores não beneficiados, alegando violação do princípio da isonomia tributária.
  • Ações cobrando a extensão da desoneração a outros setores econômicos, por violação à livre concorrência e competitividade.

 

Porém, caberá ao Senado aprovar ou modificar o projeto, além de eventual sanção presidencial.

Portanto, o nível de judicialização dependerá do resultado das negociações e do texto legal aprovado. Mas é preciso monitorar os riscos trabalhistas dessa política diferenciada de tributação sobre a folha de salários.

Rumo a um novo pacto social?

A desoneração da folha de pagamentos suscita acalorados debates devido a seus prós e contras.

Seria necessário estabelecer seus objetivos e metas de longo prazo, além de avaliar continuamente seus resultados efetivos.

Talvez seu maior mérito seja colocar em evidência a necessidade de repensarmos as relações entre capital e trabalho no Brasil, buscando um novo pacto social que equilibre os interesses de empresários e de trabalhadores.

Não por acaso, a desoneração da folha está no cerne dos debates sobre reforma tributária hoje no Congresso Nacional.

Por Leopoldo Godoy – Sócio na GFGA Advogados